quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009



Porto Alegre - Esquinas
esquina, valia bonita
vadiava o meu coração
a gente ficava na esquina
a vida infinita, cuia no chão

Nelson Coelho de Castro
(Vim Vadiá)


Porto Alegre tem umas manias esquisitas, ou melhor, as pessoas daqui as tem, insistem em chamar ruas, logradouros como gostam, como a opinião pública consagrou e não como a forma oficial exige, a Rua da Praia é um caso típico desse comportamento, poucas pessoas usam rua dos Andradas, sem contar a falta da praia, temos inúmeros exemplos, rua da ladeira, Praça da Matriz que oficialmente se chama Praça Marechal Teodoro, todo mundo conhece a Redenção, isto é seu apelido, seu nome oficial e Parque Farroupilha e assim vai.
Mas você conhece esquina com nome ? É aqui tem, uma vive outra já morreu.
Esquina Democrática tá viva, forte, em pleno centro da cidade, esquina da Rua da Praia (Andradas) com Borges de Medeiros, ponto de encontro de manifestações políticas, foram tantas que o povo elegeu esse nome, aí sim o poder público tombou esse espaço livre. Isso de forma oficial aconteceu no dia 17 de setembro de 1997 – com o objetivo de destacar o passado político e democrático da área, consagrando-a com as funções de aglomeração humana.
Mas engana-se quem pensa que essas manifestações são recentes. Desde o século XIX ali já era o ponto de reunião de políticos estudantes, intelectuais, etc
Manifestações, repressão andaram juntos, em 1915 a Brigada Militar dissolveu a força uma contra a canditadura do Marechal Hermes da Fonseca para o Senado.
Em 1954 com o suicídio do Presidente Vargas a esquina democrática assistiu a fúria da população porto-alegrense depedrando o que encontrasse, sobretudo se tivesse alguma ligação com os Estados Unidos, ou não, mas parecesse, foi o caso das Lojas Americanas.
Esse espaço fica definitivamente consagrado no auge dos anos 70 em plena ditadura militar, demonstrações de mobilização dos estudantes, classe política, cultural, operários que lutavam pela democracia no país encontram ali o local preferido para ecoar seus gritos de ordens, anistia ampla geral e irrestrita era um dos mais forte.
Várias manifestações para eleição direta para presidente da república foram realizados já nos anos 80, “Presidente quem escolhe é a gente”.
Hoje com a democracia do país consolidada, o espaço está totalmente consagrado e com muita liberdade de expressão. Em campanhas eleitorais todo o partido político usa essa área para suas campanhas, nos panfletos para a militância e população geral a convocação diz a hora e o local, esquina democrática, tudo mundo sabe onde fica.


Agora, outra esquina famosa, essa já falecida, foi a esquina maldita. A esquina continua lá Osvaldo Aranha com Sarmento Leite, mas a denominação acabou, ninguém, mas a chama assim, ficou na história aqueles momentos de efervescência política e cultural.
Eram três depois quatro bares, comandado pelo Alaska e seu famoso garçom Isake, tinha o Copa 70, Estudantil e mais tarde o Marius que resistiu bravamente.
A freqüência era de intelectuais, estudantes a maioria da UFRGS que ainda mantinha seu campus na frente o que atraia esse público principalmente dos cursos das ciências humanas.
O mais famoso foi sem dúvida o Alaska, movimentos de esquerda ali freqüentavam tentando mudar o mundo, bebia-se cerveja, mas para fazer a cabeça, como dizia-se coquinho ou maracujá, maconha era a droga mais forte e rara, pratos, entre os mais famosos o Vietcong, logicamente em referência a guerra no Vietnã, esse tinha salsicha bock, era homenagem a resistência contra os EUA, tinha outros como o Burguês.
A repressão era forte, sistematicamente tinha as batidas, o DOPS vivia por ali, a brigada invadia o local com cachorros, documentos na mão, mas os barbudos e cabeludos, quase todos eram, resistiam, claro que o medo de “cair” reinava nas mesas, sabia-se das terríveis torturas que eram praticadas, mas mesmo assim não houve repressão para acabar com a esquina maldita, o peso maior desse final foi a transferência dos cursos da UFRGS para o novo campus.
Pessoas ligadas aos grupos como VPR, Vanguarda Popular Revolucionária, MR-8, VAR-Palmares circulavam por lá, mas uma corrente representava bem esse tempo era a LIBELU, Liberdade e Luta ligada a Convergência Socialista, ali era como se fosse a pátio de sua casa.
As discussões eram intermináveis, política, sempre pela esquerda, cultura, teatro, não foi de graça que por ali circulavam Valmor Chagas, Nelson Coelho de Castro, dali saiu o primeiro disco independente de Porto Alegre, Carlinhos Hartlieb, Nei Lisboa, ninguém representou mais o Bom Fim moderno que Nei, o hoje prefeito de Porto Alegre José Fogaça também perambulava por ali, cineastas gaúchos tiveram forte influência da esquina maldita.
Muitos estudantes dividiam apartamentos no Bom Fim, as chamadas repúblicas, devido a proximidade da UFRGS, ainda existiam cinemas que não fosse em shopping, na Osvaldo Aranha tinha o Bristol, tinha a sessão da meia-noite, com programação logicamente adequada para esse público contestador, tudo isso convergia para a esquina maldita.
A mudança de comportamentos, o liberação da mulher, sexo, movimento estudantil depois guerrilha urbana, música urbana porto alegrense, por ali não havia pré-conceito, não podia, era proibido proibir.
Foi uma esquina de sonho de utopia de projetos políticos, do povo no poder, da revolução de bar, de noites intermináveis, Porto Alegre nunca teve um lugar assim, ali foi o berço das expressões das minorias, até esse termo ali foi cunhado, era permitido homem se emocionar com uma letra de Chico Buarque, quantas poesias nasceram dos guardanapos do Alaska, e quantas morreram ao fechar de suas portas. A esquina maldita morreu, seu território foi anexado ao grande Bom Fim que Porto Alegre invadiu e tomou conta, mas nenhum historiador que falar dessa cidade poderá fazer sem citar a esquina maldita.

Um comentário:

  1. Que bacana poder ler teus textos, e saber que a história cultural de porto alegre, juntamente com suas personagens, se mantém viva através de teus relatos.
    Um grande abraço!

    ResponderExcluir