O
epílogo do Bar do João
Embora
fechado já há um bom tempo, o prédio que abrigou o lendário Bar
do João, está chegando ao seu fim. Tradicional reduto da boemia de
Porto Alegre, no local será construído um moderno centro comercial
- com dezesseis andares - que ocupará toda a extensão do não menos
lendário Cine Baltimore. Tanto o cinema quanto o bar representaram,
por muito tempo, a cena cultural não somente do Bom Fim, mas de boa
parte dos porto-alegrenses.
O
fundador do Bar do João, João Brum, afirmou em entrevista ao Já
Bom Fim, em julho de 2005, que ali passou os melhores momentos de sua
vida. Também, na ocasião, revelou outras curiosidades.
João
administrou seu bar por mais de quarenta anos. Porém, tudo começou
no mais antigo e tradicional Bar do Serafim, conhecido como Bar do
Fedor (que nunca fechava), e é merecedor de outra história. Ali
João começou como garçom em 1937 e logo se tornou gerente.
Permaneceu
na função por 11 anos. Após esse período, montou seu próprio
negócio com um sócio - o Bar Imperial - para desgosto de Serafim. O
Imperial durou quatro anos. Terminada a sociedade, finalmente montou
seu próprio comércio, - o Bar Azul - na Osvaldo Aranha, 1008.
E
foi nesse endereço, num amplo sobrado, que nasceu o famoso Bar do
João. O comerciante colocou umas mesas de snooker nos fundos e foi
morar no andar de cima. Por lá viveu por 27 anos. Na entrevista ao
Já, João narra: “o salão do bar era muito familiar, com toalha e
flores nas mesas. O movimento começava às 5h da madrugada: eram
leiteiros, açougueiros, fiscais da saúde – gente que trabalhava
cedo e que ia tomar café lá. Seguia aberto até a meia-noite ou até
o último cliente. Tinha dias que ficava 24 horas sem fechar”.
O
bar era frequentado pelos mais variados tipos – funcionários do
HPS, professores, médicos, advogados, jornalistas, estudantes e
também por uma clientela marginal, até mesmo por moradores de rua.
Todos, de uma forma, se integravam ao espírito que marcou o Bar
João, a universalidade cultural e a pluralidade social de seus
frequentadores. “A freguesia era muito boa e o ambiente agradável”,
resumiu João ao jornal em 2005. “Os velhos judeus ficavam horas
lá, jogando pauzinho. Também se falava muito em futebol. O
Carangache, um judeu “gremista doente”, era famoso também porque
falava muito alto. A maioria no bar era gremista. Eu fui até sócio”.
E
ao entardecer, esse público sofria uma transformação total. E do
dia para a noite, com suas mesas de bilhar, atraia boêmios e toda a
sorte de malandros, figuras que ficaram conhecidas pela
caracterização do “magro do Bomfa”, criado e interpretado pelo
humorista gaúcho André Damasceno – hoje conhecido pela imitação
do ex-presidente Lula no programa global Zorra Total. Era a noite que
o bar reunia uma frequência totalmente eclética, em que se
misturavam, mais para a década de 80, jovens, marginais, militantes
políticos, entre outros grupos. Passaram por ali e marcaram sua
presença constante, políticos de todas as matizes, da esquerda a
direita. Nomes como Isaac Ainhorn, que construiu sua história
política como o vereador do Bom Fim, além de figuras como de vários
prefeitos que comandaram nossa cidade, como Raul Pont, José Fogaça
e o atual chefe do Executivo José Fortunati passaram pelas mesas do
Bar João.
Também
atores, músicos, aliás o Bar João foi cantado em verso e prosa em
diversas composições, sendo a mais conhecida a dos irmãos Kleiton
e Kledir eram freqüentemente vistos na noite do Bom Fim, exatamente
no Bar João. De João Gilberto a Nei Lisboa, de Bebeto Alves aos
Fagundes, não teve quem não passou pelo ambiente eclético do Bar
João.
E
assim, a noite caia e pela manhã o famoso café moído na hora, cujo
cheiro ia até a calçada, atraia os velhos judeus aposentados e
comerciantes, que para lá iam para tradicional jogo de “pauzinho”
e suas intermináveis conversas. Como diziam alguns comerciantes, era
a sala de reuniões, onde muitos negócios eram fechados.
João
vendeu o Bar em 1979 para Júlio Leite, que ficou no velho sobrado
até 1992, ano em que foi demolido para a construção de uma
garagem. É nesse momento que o Bar do João vai para o imóvel
localizado a poucos metros do antigo, na Osvaldo Aranha, 1026, seu
último reduto e que agora dá seu suspiro final.
Nesse
endereço a fama seguiu e se ampliou pela variedade de cachaças que
ficavam a vista de todos, nas prateleiras atrás do longo balcão de
atendimento, em grandes vidros transparentes. Tinha de tudo, misturas
com ervas, chás, frutas das mais variadas. Em alguns vidros, para
brincar com os clientes, cobras, aranhas e outros insetos peçonhentos
– de plástico é claro – chamavam a atenção, para espanto dos
menos desavisados.
Tudo
ali, a disposição dos fregueses, e sempre sob olhares dos
precursores da boemia e dos aposentados e comerciantes que
continuaram a integração de culturas, do dia para a noite, jogando
“pauzinho”, tomando café e assistindo a transformação do velho
em um novo Bom Fim.
Ali
também trabalharam algumas figuras que ficaram conhecidas de todos
no bairro, como o Ilson, o Banana, o Índio, e por fim o Felipe, que
esteve presente ao momento do fechamento do Bar. Todos, assim como o
João e o Júlio deixaram a sua marca. Que fazem parte dessa história
de forma incontestável.
Clientes
como o Já Morreu, que agora é fiel freqüentador da Lancheria do
Parque, o Paulinho Debatin, o Danilo e todo o pessoal do Bariri
Futebol Clube que aos sábados joga pelada na cancha de areião na
Redenção, todos, se somam a essa história. Do jogo de carteado,
dos shows de rock – na era em que até um palco o bar teve - e que
revelaram muitas bandas e músicos, dos churrascos cujos cheiros e
fumaças se misturavam em uma área aberta localizada nos fundos do
prédio...tudo, enfim é parte dessa rica história.
Em
2010, no período eleitoral, para a surpresa de muitos, o prédio do
velho João foi temporariamente reaberto. Durante a reforma para que
se tornasse um comitê político, muitos olhavam perplexos, alguns
pediam para entrar, faziam excursões e indagavam se o bar reabriria.
Foi um lampejo, um sonho, mas que não se realizaria. Vendido para
uma incorporadora da construção civil, o seu fim era anunciado há
muito tempo.
Agora,
enfim, chegou o epílogo de uma era, de parte da história de pelo
menos duas gerações que viveram intensamente o Bar João e as suas
idiossincrasias. Ele, agora, deixa definitivamente o plano material
para se perpetuar na imaginação e em registros como este, para que
as novas gerações possam saber um pouco sobre um épico da
universalidade. E com diria a canção...que saudades do Bar João...
Fui frequentador do bar durante anos e hoje passo em frente e vejo as obras que fazem ou seja nao existe mais nada ali...da uma tristeza e entao me vem lembranças boas, saudades....maravilhoso texto, parabéns....
ResponderExcluirValeu Julio, acho que tínhamos que fazer uma campánha, para que pelo menos a construtora patrocinasse um livro para preservar a memória do Bar João assim como do Cinema.
ExcluirAbç
EU FREQUENTEI POR MUITOS ANOS ESTE TEMPLO ONDE PESSOAS DE DIFERENTES ESTILOS ERAM FREQUENTADORAS, ALI FIZ AMIGOS ,ONDE DENTRE ELES UM TORNOU-SE MEU MARIDO ( CONHECIDO COMO " ARARA " ).
ResponderExcluirSENTIMENTOS MULTIPLOS TRANSITAM EM MEU CORAÇÃO, MAS A CERTEZA QUE TENHO NADA SE ACABA , O ESPAÇO MATERIAL SE VAI POREM AS RAIZES PLANTADAS NO LUGAR NO ASPECTO ESPIRTUAL PERPETUAM-SE.
A NOSTALGIA SUBSTITUI A DOR , O ÓDIO, A REVOLTA E A ANGUSTIA DE NÃO PODERMOS MAIS FAZER USO DAQUILO QUE NOS TRAZIA PRAZER INTENSO E FAZIA TRANSCENDER ATRAVES DAS MUSICAS E DAS BANDAS QUE ASSISTIAMOS A CADA FINAAL DE DOMINGO ESTE ESPAÇO QUE O O DONO SIR JULIO ABRIU .
THE END
Muito bom, é necessário preservar a memória.
ExcluirQuando estive aí em Porto Alegre tive a oportunidade de tomar todas aí no bar do joão...adorei o ambiente, pena que não funciona mais...
ResponderExcluiré uma pena!
Abração a todos!
Excelente matéria!
ResponderExcluirEra uma atmosfera incrível, entrava uns tiozinhos malucos bicho grilo, pank, metaleiro, vagabundo, putas...dava de tudo lá...saudade!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEra muito bom fez parte da minha vida me diverti muito ali uma sensação de liberdade pura democracia sinto muita saudade daquele época com sertesa dava um ótimo livro um registro na história de Porto Alegre
ResponderExcluirSaudades do sábados a noite e as domingueiras a tarde com muita birita Hard cerveja gelada cervida pelos amigos garçons e muito rock'n roll !
ResponderExcluirSaúdades !! Deste Tempo !
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